/ Vocacional | SALESIANOS NORDESTE: março 2012

quarta-feira, 28 de março de 2012

Sementes de amor


Equipe vocacional 2012 reunida em formação



Qual é a imagem de Dom Bosco hoje?



Diante dessa literatura salesiana necessariamente em evolução, é evidente que também hoje precisamos responder a uma série de perguntas.
Quem foi Dom Bosco? O que ele disse, o que fez e escreveu? Com que modalidade de vida e de ação ele conseguiu ampliar suas obras de bem? Que relação existe entre seu pensamento e sua atividade? Quais foram a origem das suas ideias, o seu desenvolvimento e a sua novidade? Que consciência teve de si mesmo e da própria mensagem no início da sua obra e qual foi a percepção que teve gradualmente ao longo da sua vida? Que tipo de percepção a respeito dele, da sua obra e da sua mensagem tiveram seus primeiros colaboradores leigos e eclesiásticos, os primeiros salesianos, as FMA, os Cooperadores, os alunos e o ex-alunos? Como compreenderam e avaliaram Dom Bosco os seus contemporâneos: papa, bispos, sacerdotes, religiosos, autoridades políticas e civis, detentores do poder econômico e financeiro, crentes ou não crentes, as massas?
Qual foi a imagem de Dom Bosco construída e transmitida pela “tradição histórica”, pelos cronistas e pelos biógrafos contemporâneos, pelas testemunhas dos processos, pelas comemorações e apoteoses dos aniversários e das datas significativas (1915, 1929 1934, 1988, 2009)? Quais foram as interpretações da sua “missão” histórica? Tratou-se de uma resposta providencial às necessidades de uma Igreja perseguida? Uma resposta católica às necessidades dos tempos? Uma solução do “problema dos jovens pobres e abandonados”, do problema social, da cooperação entre as “classes”? Uma promoção das massas populares no respeito da ordem vigente? Uma ação missionária e civilizadora?
O que caracteriza propriamente Dom Bosco? Foi o inventor de uma “pedagogia” idônea para aproximar os jovens “periclitantes e perigosos”? Foi mestre de espiritualidade para os jovens em situação de risco, para as classes inferiores, para os povos em via de desenvolvimento? Foi o Santo da alegria, dos valores humanos, do encontro com todos sem discriminações? Ou talvez tudo isso e muito mais?
Hoje, é preciso reconstruir essa imagem de Dom Bosco; é necessário vê-lo sob outra luz, para uma fidelidade que não seja repetição, obséquio a fórmulas ou dissociações. Não basta limitar-se a qualquer tipo de leitura de animação ou a algum ensaio de estudiosos; precisamos, todos juntos, aprofundar a salesianidade para chegarmos a uma visão comum, culta, profissional, profunda, que saiba valorizar o patrimônio histórico, pedagógico, espiritual, herdado de Dom Bosco; que conheça a fundo a realidade juvenil, que possua um perfil claro do cristão na sociedade de hoje e de amanhã, com os correspondentes compromissos “de acordo com as necessidades dos tempos”. Em outras palavras, trata-se de rever as intuições e as estruturas de agregação e de educação, de reler o Sistema Preventivo em chave de atualidade, de apresentar ao mundo e à Igreja um estilo particular de educador salesiano.
Hoje, mais do que de crise de identidade, talvez se trata de crise de credibilidade. Tem-se a impressão de estarmos sob a tirania do statu quo, mais em nível de resistências inconscientes do que intencionais. Embora convictos a respeito da verdade dos valores teológicos de que está impregnada nossa vida cristã e consagrada, sentimos dificuldade de atingir o coração dos nossos destinatários, para os quais deveríamos ser sinais de esperança; somos sacudidos pela irrelevância da fé na construção da sua vida; constatamos uma escassa sintonia com o seu mundo, a distância, para não dizer a estraneidade, de seus projetos humanos; damo-nos conta de que nossos sinais, nossos gestos, nossa linguagem não parecem incidir em sua vida.
Talvez haja pouca clareza quanto à função da missão a que nos dedicamos; talvez alguns não estejam convencidos da utilidade da nossa missão; talvez não encontrem o trabalho adequado às suas aspirações porque não sabemos inovar; talvez se sintam aprisionados pelas emergências que se tornaram cada vez mais prementes; talvez haja pouca estima mais ad intra do que ad extra. A história nos poderá socorrer na ação de atualização do carisma. Por isso, limito-me a evidenciar aqui alguns aspectos, demorando-me particularmente quanto ao primeiro.

7.1 Evolução das obras e dos destinatários. Para Dom Bosco, a abertura de novas obras é determinada pelas exigências da situação. A pobreza cultural dos jovens provoca em Valdocco a abertura de uma escola elementar dominical, depois noturna, em seguida diurna, especialmente para quem não pode frequentar a escola pública; finalmente, outras escolas, diversos laboratórios, e assim por diante, rumo à complexa “casa anexa” ao Oratório de São Francisco de Sales. Essa primeira obra, de simples lugar e encontro nos dias festivos para o catecismo e para o divertimento, torna-se lugar de formação global; para certo número de jovens sem meios de subsistência, torna-se uma casa, um lugar de residência. Ao pátio e à igreja, onde se desenvolve um programa com a possibilidade dos sacramentos, da instrução religiosa elementar, do divertimento, de interesses, de festas religiosas e civis, de dons, somaram-se outras estruturas para oferecer a aprendizagem de um ofício, evitando frequentar fábricas da cidade, às vezes muito imorais e perigosas para jovens já marcados por um passado difícil. Depois, fundaram-se outras casas salesianas, outros pequenos seminários confiados aos cuidados da já então existente Sociedade salesiana.
Para o primeiro oratório confluíram tanto jovens provenientes das casas de correção quanto imigrados e, em geral, jovens sem fortes liames com as respectivas paróquias. Depois, num degrau mais alto, são acolhidos no oratório e no internato estudantes e aprendizes que vivem longe da “pátria”, que vão para a cidade a fim de aprender um ofício ou fazer estudos que os habilitem a um emprego. Para certo número de jovens pertencentes a essa categoria ou que vivem em particulares dificuldades ou ainda que têm alguma disponibilidade econômica, é aberta a possibilidade de aprender um ofício nos laboratórios organizados ou de fazer estudos em escolas em colégios. Essa população entra normalmente nas duas diversas categorias sociais: a “classe pobre” e a “classe média”. Exigências particulares favorecem também a instituição de escolas elementares, técnicas, humanísticas, profissionais, agrícolas, externatos, colégios também para a classe média-alta, em que se trata de contrastar análogas iniciativas laicais ou protestantes, ou então de garantir uma educação integralmente católica segundo o Sistema Preventivo.
A preferência pelos mais pobres é considerada por Dom Bosco compatível com a maciça destinação de escolas e colégios para a “classe média”. Ele não rejeita qualquer gênero de pessoas, mas prefere ocupar-se com a classe média e a classe pobre, porque seus jovens estão mais necessitados de socorro e de assistência. De qualquer forma, o mecanismo das “diárias” a pagar não permitiu grandes aberturas para com os verdadeiros pobres ou com os “meio pobres”, a não ser para grupos limitados de jovens mantidos pela beneficência pública ou privada. Além disso, uma categoria específica é constituída por aqueles jovens entre os mais pobres e periclitantes que se encontram em lugares de missão, privados da luz da fé. Naturalmente a ação missionária não se limita aos jovens, mas tenta envolver todo o mundo que os rodeia; nem se limita à ação estritamente pastoral, mas se interessa por todos os aspectos da vida civil, cultural, social, segundo quanto o próprio Dom Bosco diz em uma sua carta de 1º. de novembro de 1886: levar “a religião e a civilização entre aqueles povos e nações que ainda ignoram a primeira e a segunda”. São privilegiados também, sem distinção de classes, os jovens que manifestam propensão para o estado eclesiástico ou religioso; é o dom mais precioso que se pode fazer à Igreja e à própria sociedade civil. 
Finalmente, devem-se constatar as extensas zonas da marginalização de “jovens pobres e abandonados” em situações particularmente graves, às vezes trágicas, que permanecem estranhas à atividade de Dom Bosco: a faixa emergente dos jovens sempre mais envolvidos na “indústria” nascente da assistência, proteção e formação do ponto de vista social e sindical; o mundo da delinquência juvenil verdadeira e própria existente em Turim; as obras para a recuperação de menores delinquentes ou próximos à delinquência, com algumas das quais entrou em tratativas mais ou menos claras; o imenso continente da pobreza e da miséria não só nas cidades, mas também e, às vezes ainda mais, no campo; o vasto planeta do analfabetismo e da educação artesã e profissional; o mundo da desocupação e da migração; finalmente, o mundo da deficiência mental e física.
Ora, essa página da história nos obriga a refletir em perspectiva atualizadora. Quem são hoje os nossos destinatários privilegiados? Quais são as obras adequadas às suas necessidades? O desaparecimento nas Constituições salesianas renovadas do elenco das obras salesianas típicas que contemplavam em primeiro lugar os oratórios, por acaso, não contribuiu a reduzir o número dos nossos oratórios clássicos, substituídos talvez por escolas superiores e universitárias?

7.2 Juventude abandonada. Como disse no início, a importância histórica de Dom Bosco deve ser procurada, não só nas obras e em certos elementos metodológicos relativamente originais, mas também na percepção intelectual e emotiva da dimensão universal, teológica e social do problema da “juventude abandonada” e na grande capacidade de transmiti-la a densos grupos de colaboradores, benfeitores e admiradores.
Perguntemo-nos, então: hoje, somos seus fiéis discípulos? Vivemos ainda a tensão que Dom Bosco tinha entre ideal e realização, entre intuição e concretização no tecido social em que ele agia?  

7.3 Resposta às necessidades dos jovens. Dado que as iniciativas assistenciais e educativas de Dom Bosco em favor dos jovens se sucedem no plano prático dentro de certo “ocasionalismo”, é preciso também dizer que suas “respostas” aos problemas não resultam de um “programa” orgânico e não são postas em prática em consequência de uma visão prévia e completa do quadro social e religioso do século XIX.
Dom Bosco, esbarrando em problemas particulares, dá respostas também imediatas e localizadas, até que, gradualmente, as diversas condições juvenis o levam a propor-se de forma global “o problema dos jovens” no mundo inteiro. Na vida heroica de Dom Bosco não se constatam planos preventivos e estratégias de ação em longo prazo, preparados à escrivaninha – coisas que hoje, com justiça, consideramos indispensáveis – mas emergem soluções eficazes, às vezes imprevistas, de problemas imediatos. 
Que significa tudo isso, hoje, para nós, que vivemos numa “aldeia global” onde tudo é conhecido em tempo real, onde está à nossa disposição uma ampla sequência de ciências especializadas? Como passar de uma política de emergência a uma política de programação? Baseando-nos em que critérios específicos nós podemos realizar as opções operativas no contexto dos meandros da história, não ficando estranhos a ela? Como evitar o duplo risco de perder unidade e identidade por querer fazer tudo, para abandonar obras estáveis e passar a coisas passageiras não bem pensadas, para desperdiçar recursos em curto prazo; e o risco de tornar absolutos e perenes certos  aspectos contingentes do Fundador, acabando por contentar-nos com o que já temos e que já conhecemos de uma tradição fossilizada, defendida em boa-fé por fidelidade ao passado?

7.4 Flexibilidade de resposta às necessidades. Da análise histórica resulta a genialidade e a capacidade de Dom Bosco de coordenar, em torno da sua vocação de “salvar” os jovens, obras educativas destinadas aos jovens das classes populares urbanas, com ulteriores e variadas atividades que se destinavam a outros ovjetivos. Em torno do pequeno Oratório de Valdocco Dom Bosco conseguiu polarizar milhares de jovens, conquistar o consenso e o apoio do ambiente eclesiástico num leque sempre mais amplo, virtualmente universal. E o fechamento de obras, como o Oratório do Anjo da Guarda em Turim, de casas salesianas isoladas como Cherasco, Trinità, não era índice de retrocesso, mas de um ajuste e de um novo impulso. É prova disso a expansão da sua missão com obras que visavam à formação juvenil: a fundação das FMA, as missões, os Cooperadores, o Boletim Salesiano. Essas diversas iniciativas põem em evidência uma contínua coordenação, sempre uma nova retomada, um desenvolvimento ulterior. 
Ora, como não observar que em nossa ação deve ser considerada importante não só e não tanto a imagem, mas a realidade que se renova e se desenvolve com uma coordenação sábia? O forçado fechamento de tantas obras não corre muitas vezes o perigo de parecer uma simples escapatória, em vez de uma opção ordenada para um desenvolvimento maior?

7.5 Pobreza de vida e trabalho incansável. Nos apontamentos que a tradição chamou de “Testamento espiritual”, Dom Bosco deixou escrito: “Desde o momento em que começar a aparecer o bem-estar nas pessoas, nos quartos ou nas casas, também começará a decadência da nossa congregação. […] Quando começarem entre nós as comodidades ou o bem-estar, a nossa pia sociedade terá feito o seu curso” (P. Braido [ed.], “Don Bosco educatore, scritti e testimonianze”, Roma, LAS, 1992, p. 409, 437).
Hoje, inspirando-nos em Dom Bosco, não deveríamos ter a coragem de dizer que quando uma comunidade religiosa se fecha diante da TV e dos jornais por horas a fio, é sinal de que pelo menos naquele lugar demos por encerrado o nosso curso? O que dizer quando uma obra salesiana se reduz a quatro meninos com uma bola e uma TV, e não encontra tempo para convocar jovens e envolvê-los nas próprias iniciativas, mas, ao contrário, encontra tempo para passeios culturais? Talvez aquela obra tenha terminado o seu curso, dado que o número de jovens numa obra salesiana local, embora não seja tudo, é sempre o termômetro da razão de ser de uma casa num determinado território.


E a música não para!